De Goiânia, no Palácio das Esmeraldas, sede do governo goiano, Mandetta falou sobre os meses que virão, o que projeta para frente e a relação com o presidente Jair Bolsonaro.
Fantástico: Ministro, primeiramente obrigado pela entrevista. Estou aqui no Rio de Janeiro e o senhor em Goiânia, no Palácio das Esmeraldas, sede do Governo do Estado de Goiás.
Luiz Henrique Mandetta: É isso. Eu vim aqui hoje, minha família, eu e minha esposa, estamos sem os filhos, sem meu pai, minha mãe. Em nome das nossas famílias, eu cumprimento todas as famílias brasileiras e a família do jornalismo do Fantástico nesse domingo de Páscoa tão atípico para todos nós.
Fantástico: O senhor sempre dá orientações para os brasileiros, sobre os cuidados a serem tomados. Na vida pessoal do senhor, que cuidados o senhor tem tomado?
Mandetta: Dentro do Ministério da Saúde, como a equipe é uma equipe que está trabalhando comigo, muito já formada, muito bem distribuída, a nossa distância entre um e outro é de 2,5 a 3 metros, em qualquer circunstância. Até agora, nós não tivemos nenhum colaborador nosso que tenha tido a gripe, a virose.
É um cuidado muito grande, uma saudade muito grande do meu neto, dos meus filhos que estão em Mato Grosso do Sul, do meu pai, da minha mãe. Esses eu falo com eles normalmente, por telefone, vendo as imagens. Uma parte que é dura para todo mundo. A gente também tem feito esse exercício de distanciamento de quem gosta, de quem ama a pessoa, e que sabe que nesse momento temos que ficar distante para proteger. Acho que no dia a dia não é diferente do que cada brasileiro está passando para tentar passar por isso junto. Quando a gente protege a família da gente, a gente está protegendo a família de todo mundo.
Fantástico: Já teve algum momento de fragilidade durante essa crise?
Mandetta: Acho que sim. Às vezes a gente também se pega profundamente emocionado quando um neto pergunta por que não está indo vê-lo. Às vezes você fica um pouco emocionado, a voz fica um pouco embargada, mas você respira fundo.
Fantástico: Ministro, vamos aos números aqui. Neste feriado da Semana Santa, o Brasil ultrapassou a marca de mil mortes por coronavírus. Qual a expectativa do senhor para esta próxima semana?Mandetta: Primeiro, nós sabemos que esses números estão subestimados. Dentro do que a gente pensava lá no início, em fevereiro, fazendo simulações com outros países, fazendo adequações pro nosso clima, mais ou menos a gente sabia que chegaria na primeira quinzena de abril a aproximadamente com esses números. Sabemos também desde o início que fizemos a projeção que a segunda quinzena de abril seria a quinzena que aumentaríamos e que o mês de maio e junho seriam os meses de maior estresse pro nosso sistema de saúde. Nós estamos agora vivendo um pouco do que fizemos duas semanas pra trás. Se iniciarmos precocemente uma movimentação, nós vamos voltar a ter aquele mesmo padrão do início aonde você tinha dia após dia um aumento do surgimento de brotes epidêmicos. A gente imagina que os meses de maio e junho serão os sessenta dias mais duros para as cidades. A gente tem diferentes realidades. O Brasil a gente não pode comparar com a Espanha, com a Itália, a Grécia, Macedônia e até a Inglaterra. Nós somos o próprio continente. Sabemos que serão dias duros. Seja conosco ou qualquer outra pessoa. Maio, junho, teremos dias muito duros.
Fantástico: O que são dias muito duros?
Mandetta: Dias duros. Dias em que nós seremos taxados de “olha, vocês não fizeram o que tinham que fazer, por isso o sistema está entrando em colapso. Olha, vocês deveriam ter sido mais duros, menos duros, porque a economia está assim, está assado”. Sempre haverá engenheiros de obra pronta. Pessoas que depois que você trabalha, que faz o possível e o impossível para enfrentar a situação, que depois da situação passada fala “ah não, mas isso deveria ter sido feito assim ou assado”.
Nós teremos uma confrontação entre o que somos e para onde vamos. Dois a três meses de muito questionamento de prática de todos. E obviamente que o Ministério da Saúdee vai ser o mais questionado.
Os maiores aglomerados são aqueles que têm chances de espiral de casos. E com essa sobreutilização (do sistema) vamos ver profissionais de saúde tendo muito estresse, pessoas da nossa família que nós vamos perder, pessoas com negócios que vão quebrar.
Essas semanas agora o comportamento da sociedade é que dita. Como ele vai se comportar aqui, quem vai escrever essa história é o comportamento da sociedade, não é a polícia, o decreto. É como cada um de nós brasileiros vamos ter conhecimento da atividade individual, sendo o responsável pelo coletivo, uma coisa muito mais de como vamos encarar a relação da dinâmica social e do que o sistema de saúde vai aprender.
Fantástico: Quantos casos de coronavírus são estimados para o Brasil neste ano?
Mandetta: Esse número muda muito ao sabor de como a gente vai se comportar. Se não fizermos absolutamente nada e tivermos como se nada estivesse acontecendo, se a gente falar assim: vamos todos trabalhar, deixa só quem tem mais de 60 anos em casa, como o país vai lidar com isso... Você tem cenários otimistas e tem cenários extremamente pessimistas. A gente tem a projeção, mas em função do comportamento das pessoas. Não existe nada que influencia mais essa resposta do que como que a sociedade brasileira vai se comportar no próximo mês e dias.
Nós não experimentamos no Brasil até agora o lockdown, o fechamento total. Nós estamos com diminuição social, relaxamos, estamos em torno de 50%, 60%. Chegamos a ter 70%. Se cada empresário, se cada setor achar que o dele é essencial e começar um efeito cascata, tudo é essencial e tem que funcionar, o Ministério da Saúde vai mostrar: olha, essa atividade fez isso aqui com cada uma das cidades.
Fantástico: Em várias cidades, como aqui no Rio de Janeiro, é visível um desrespeito de muitas pessoas, principalmente durante a semana, às medidas de isolamento social. A que o senhor atribui esse afrouxamento?
Mandetta: Acho que é um conjunto, somatória, vê na internet fake news, que isso é uma invenção de países para ganharem vantagem econômica. Outras pessoas porque (acham que) existe um complô mundial contra elas. Como se tivesse alguma solução, com passe de mágica e que não precisasse que ninguém fizesse sacrifício. Quando você vê as pessoas entrando em padaria, entrando em supermercado, fazendo filas uma atrás da outra, encostadas, grudadas, pessoas fazendo piquenique em parque, isso é claramente uma coisa equivocada.
Fantástico: Não tem teste em massa para os brasileiros?
Mandetta: Não existe capacidade de se fazer uma testagem de 200 milhões de habitantes. E, às vezes, você testa e ele dá negativo, tem que repetir teste várias vezes. A gente vai trabalhando basicamente como trabalhadores que são mais importantes no momento. Vamos testar, principalmente, aquele que precisamos que voltem ao trabalho. Se médico e enfermeira já têm anticorpos e vão trabalhar com segurança porque não vai mais adoecer daquela doença: teste para eles. E para segurança que são serviços muito essenciais: policiais, bombeiros, que precisam dessa informação. Dois grupos de trabalhadores.
O problema é que a gente tem hoje mercado concentrado e aquecido que não tem testes suficientes para o planeta. Se a gente se comprometer a testar todos os brasileiros, não seria correto frente ao mercado que a gente vê. O planeta Terra inteiro quer o mesmo produto que nós queremos. O que, portanto, nos faz ter muita cautela de nos comprometer se termos essa semana ou na outra. O Brasil é um sistema forte e está tentando atingir um ponto de equilíbrio para os brasileiros.
Fantástico: se a população não é testada, não tem como prever o avanço real da doença. A gente está no escuro?
Mandetta: Não, a gente não está no escuro, porque mesmo com essa testagem, a gente tem modelos matemáticos. Com esses exames que nós fazemos, a gente tem estatísticas, modelos matemáticos que nos permitem dimensionar, onde está, deslocando para qual faixa etária, se está internando quem, qual é a capacidade instalada. Nós temos modelos matemáticos que nos dão muita informação sem testar 100% das pessoas. Não tem receita de bolo, o que tem é: o Ministério da Saúde diz “tomem cuidado com quem tem nível mais alto de transmissão”. Aí, cada governador, cada prefeito sabe o que está fazendo.
Fantástico: Ministro, o senhor tem dito nas coletivas que médico não abandona paciente. Mas ao mesmo tempo, disse que precisa de paz para trabalhar, reclamou de solavancos internos. Já houve insinuação de demissão, o próprio presidente não respeita suas orientações. Ontem mesmo vocês estiveram juntos em um hospital de campanha na região de Brasília, ele foi em direção a populares e ele fez questão de contrariar suas recomendações na frente do senhor. Essa relação tem constrangido o senhor?
Mandetta: Ela preocupa, porque a população olha e fala: mas será que o ministro é contra o presidente? Não há ninguém contra nem a favor de nada. O nosso inimigo, o nosso problema é o coronavírus. Esse é o nosso adversário, inimigo. Se eu estou ministro da Saúde, é por obra de nomeação do presidente. O presidente olha pelo lado da economia. O Ministério da Saúde entende a economia, entende a cultura e educação, mas chama pelo lado de equilíbrio de proteção, à vida. Eu espero que essa validação dos diferentes modelos de enfrentamento possa ser comum e termos uma ala única, unificada. Por isso leva para o brasileiro uma dubiedade: não se sabe se escuta o ministro, o presidente.
Fantástico: E numa situação como essa, a quem ouvir?
Mandetta: A gente pode ter uma disciplina e pedir disciplina para as pessoas que façam também seu sacrifício, para que a gente possa bloquear o máximo possível. Eu estou dizendo qual o caminho: vamos por aqui. Se você vai ao médico e diz que não coma doce porque você é diabético, tem pessoas que comem doce sistematicamente mesmo sendo (diabético). A gente diz o que pode acontecer e a pessoa continua comendo doce. Mesmo que ela tenha todas as complicações, a gente vai lá para minimizar as complicações.
Eu estou aqui para tentar ajudar ao máximo encontrar o caminho para superar o que pode no Brasil ser uma coisa com mais ou menos estresse para a nossa sociedade. Infelizmente não vai ser num toque de mágica que vamos passar por isso. Foco, disciplina e ciência e ficar muito firme nesse tripé, e planejamento para que possamos sair disso juntos.
Fonte: Globo